sexta-feira, 15 de junho de 2012

Otite em cães e gatos


      A otite nada mais é que qualquer tipo de inflamação do ouvido, podendo ser uni ou bilateral, sendo este quadro clínico rotineiro em qualquer clínica veterinária. Ela pode ser classificada quanto à região de acometimento do canal auditivo e pode ter diferentes causas.
     A orelha é dividida anatomicamente em orelha externa, formada pelo pavilhão auricular e conduto auditivo, o qual termina na membrana timpânica; orelha média, formada pela bula timpânica (a qual faz comunicação com orelha externa e interna e com a faringe) e trompa auditiva; e orelha interna, formada pelos labirintos ósseo e membranoso, responsável pela audição e equilíbrio. Diante desta divisão, classificamos a otite como externa, média e interna, respectivamente.
·         Otite externa
     A otite externa, como o próprio nome diz, acomete a região mais externa da orelha, sendo aquela otite que o proprietário consegue enxergar com facilidade. Pode ocorrer por parasitas como ácaros causadores de sarnas (Demodex canis, Otodectes cynotis, Sarcoptes scabiei, Notoedres cati) e por carrapatos; ser decorrente de fungos e leveduras (Malassezia pachydermatis); pode estar associada a doenças de pele, como dermatite alérgica alimentar, dermatite por contato, atopia e doenças imunomediadas; pode ser secundária a doenças hormonais como hipotireoidismo; e pode ser decorrente de neoplasias. Pode-se dizer que 50% dos casos de otite externa em gatos são causadas pelo ácaro Otodectes cynotis, conhecido como "sarna de ouvido". Filhotes de cães e gatos são mais propensos a este tipo de agente causador de otite externa.
       Há três causas predisponentes para o desenvolvimento de otite externa: excesso ou aumento da umidade no canal auditivo, o que pode ocorrer pelo descuido durante o banho e também pelo clima úmido e quente, permitindo maior retenção de umidade nas orelhas; canal auditivo mais estreito, como ocorre, por exemplo, em cães da raça Sharpei; e obstrução do canal auditivo. Normalmente há bactérias que colonizam os canais auditivos, diante dessas causas pode ocorrer colonização por bactérias secundárias e se desenvolver a doença. Quando mal curada ou não tratada pode tornar-se crônica, tornando o lúmen do canal externo mais estreito e calcificado, dificultando a resolução do quadro e podendo levar a obstrução do canal. Secundariamente bactérias produtoras de pus, fungos e leveduras se instalam no local lesionado, agravando o quadro clínico.
     Cães e gatos de qualquer idade ou raça podem desenvolver a otite externa, porém são mais predispostos cães de orelhas longas e pendulares, como Cocker e Basset hound, e cães com excesso de pelos no canal auditivo, como os poodles. O Cocker apresenta maior predisposição a desenvolver o problema por poder apresentar um excesso na produção de secreção pelas glândulas sebáceas do canal auditivo.
     Normalmente o animal com otite coça as orelhas e agita a cabeça constantemente; nota-se algum tipo de secreção presente, podendo ser pus ou uma secreção marrom-escura a enegrecida, a qual sempre deve ser avaliada quanto à presença de parasitas; quando mais crônico, nota-se secreção purulenta com odor fétido no local.
      O diagnóstico é simples, mas saber a causa do problema nem sempre é fácil. Pode ser necessário cultura para bactéria e/ou fungos e antibiograma do material coletado nos condutos de forma estéril para identificarmos o agente causador e a que tipo de medicação ele é sensível.
      O tratamento consiste no uso de drogas tópicas associadas ou não a drogas orais ou injetáveis. É sempre necessária a avaliação veterinária antes do tratamento, garantindo que não haja lesão da membrana timpânica, pois se houver, algumas medicações podem causar intoxicação no animal. Antes de se iniciar o tratamento é necessária limpeza correta dos condutos auditivos, a própria secreção pode inativar algumas drogas ou não permitir que a medicação seja absorvida. Em casos de recidiva indica-se a cultura para encontrar o agente causador e antibiograma para definir a droga de escolha e reavaliação do animal para certificar-se que não há otite média associada. Quando o tratamento médico falha ou há crescimento de massas ou estenose do conduto, o tratamento passa a ser cirúrgico.

·         Otite média e interna
     A otite média pode ser causada por bactérias, fungos, leveduras, neoplasias, traumas ou corpos estranhos e também pela formação de pólipos inflamatórios ou nasofaringeanos, correspondentes a massas benignas que podem se formar no conduto auditivo. No entanto, a causa mais comum em cães e gatos é a infecção bacteriana, comumente consequente de otite externa crônica.
     Assim como a otite externa pode evoluir para otite média, a otite média pode evoluir para a otite interna, devido à extensão da inflamação da membrana timpânica.
     Em animais de meia idade é mais comum a otite média ser secundária a otite externa; cães idosos são mais propensos ao desenvolvimento de neoplasias e gatos a formação de pólipos inflamatórios, sem predisposição sexual ou racial.
     Os sinais clínicos são os mesmos da otite externa, como coceira nas orelhas e a agitação da cabeça de forma excessiva, podendo haver odor ruim e dor ao manipular regiões próximas ao ouvido. O animal pode apresentar dor ao comer e ao abrir a boca. Em casos de neoplasia que se estenda para a nasofaringe, o animal pode apresentar engasgo, esforço de vômito e dificuldade respiratória. Quando pólipos estão presentes pode haver como sintomas espirros, corrimento nasal e ruídos respiratórios.
     A otite interna pode causar o que chamamos de sinais vestibulares, nos quais o animal pode apresentar inclinação da cabeça, andar em círculos e queda para o lado do ouvido acometido, pode andar de forma incoordenada e permanecer com os olhos realizando um movimento involuntário, o que chamamos de nistagmo. Casos mais graves podem causar paralisia do nervo facial, levando a alterações como diminuição do reflexo palpebral, queda da orelha e lábio, salivação excessiva.
     A membrana timpânica pode estar rompida e para o adequado exame destes animais (otoscopia), pode ser necessária anestesia geral deste animal.
     O exame radiográfico pode auxiliar no diagnóstico de neoplasias e formações como pólipos, porém não é um exame sensível para o diagnóstico de otite média, sendo mais indicada a tomografia computadorizada.
      O tratamento adequado consiste na limpeza dos condutos, tratamento da otite externa intercorrente, eliminação do agente causador e uso de antibiótico tópico e sistêmico, devendo apresentar melhora em até quatro semanas, do contrário, o quadro passa a ser cirúrgico, visando uma abertura da bula timpânica, o que, geralmente resolve o problema e não causa interferência significativa na audição. Quando sinais neurológicos estão presentes, estes não melhoram após intervenção cirúrgica e podem não intervir na qualidade vida do animal.
·         Conclusão
      Apesar das possíveis complicações que a otite pode trazer, é tida como um problema comum, considerado por muitos como uma “coceirinha que vem depois do banho”. Sim, ela pode ser um quadro clínico simples, mas quando mal curado, tratado indevidamente, pode tornar-se crônico e trazer consequências ruins ao animal.
     Um dos erros mais comuns é o uso da medicação por tempo inapropriado. A maioria dos proprietários para com o tratamento logo nos primeiros dias, quando os sintomas já deixam de existir, porém, para evitar recidivas e acabar com o problema, o tempo de tratamento deve ser longo, determinado por um médico veterinário, que deverá fazer o acompanhamento semanal do quadro clínico e a higienização adequada dos ouvidos, permitindo melhor ação da droga utilizada.
     Deve-se ter cuidado durante o banho e com animais expostos a chuva, procurando secar os ouvidos para evitar que a umidade permaneça como fator predisponente. Sempre que houver a introdução de um filhote na residência e este apresentar coceira nas orelhas, investigar pela presença da sarna otodécica, sendo esta transmissível para outros animais. Vale lembrar que nem todas as medicações para otite, disponíveis no mercado, atuam contra a sarna de ouvido, sendo necessário investigar quanto a presença do ácaro na secreção.  
      Na presença de sintomas procure um médico veterinário para avaliação do quadro o mais rápido possível, para que se tenha o diagnóstico correto e evite que o quadro clínico torne-se crônico e traga danos à qualidade de vida do seu animal.
          Otodectes cynotis - ácaro causador da "sarna de ouvido"

 Referências
FOSSUM, T.W., et al. Cirurgia de Pequenos animais. Capítulo 19. Pág. 231-248. 2ª edição, 2002. Editora ROCA.