segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Intoxicação por chumbinho (Aldicarb – Temik 150)

 
     O “chumbinho” é um produto ilegal, vendido clandestinamente e utilizado irregularmente como raticida e para o extermínio de cães e gatos. Esse produto não possui registro na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e em nenhum outro órgão governamental.
     Fisicamente consiste em um granulado cinza escuro ou grafite, o qual comumente é misturado a algum tipo de alimento atrativo a animais domésticos, visando a intoxicação fatal dos mesmos.
   Os granulados tipo “chumbinho” são compostos por uma combinação ou não de agrotóxicos, os mais encontrados em sua composição são os pertencentes ao grupo dos carbamatos e ao grupo dos organofosforados. O grau de intoxicação varia com o tipo de composto e a quantidade do mesmo na composição.
    No Brasil, o aldicarb, pertencente ao grupo dos metilcarbamatos, tem o uso agrícola aprovado nos estados da Bahia, Minas Gerais e São Paulo, para agricultores cadastrados na ANVISA, mas o comércio ilegal permite seu uso doméstico. O único produto a base de aldicarb autorizado era o Temik 150, da empresa Bayer S/A, com aprovação para uso exclusivamente agrícola, como inseticida, acaricida e nematicida, para aplicação nas culturas de batata, café, citros e cana-de-açúcar.
    Carbamatos e organofosforados são agentes anticolinesterásicos, bastante lipossolúveis e sua absorção pode ocorrer por toda superfície corpórea, trato gastrointestinal, pele, pulmões e olhos. Por ser lipossolúvel, a gordura facilita sua absorção, sendo contra-indicada a administração de leite ao animal que ingerir este tipo de veneno, uma vez que a gordura do mesmo facilitará a absorção.
    Após a ingestão, o "chumbinho" é prontamente absorvido pelo trato gastrointestinal, distribuindo-se por todos os órgãos e tecidos. Sofre metabolização no fígado e é eliminado pelos rins e fezes.
    Quando dizemos que os carbamatos e organofosforados que compõe o "chumbinho" são agentes anticolinesterásicos, significa que seu mecanismo de ação consiste em inibir irreversivelmente a acetilcolinesterase, enzima que inativa a acetilcolina, um neurotransmissor importante no sistema nervoso central e periférico, sendo necessária sua liberação para que ocorra a contração muscular. Com a ação do veneno a acetilcolinesterase não age e há um excesso de acetilcolina, consequentemente há um “excesso de contração muscular”.
    Na intoxicação aguda pelo "chumbinho", observa-se náusea, vômito, bradicardia (redução da freqüência dos batimentos cardíacos), dispnéia (dificuldade para respirar), dor abdominal, aumento da motilidade gastrointestinal, sialorréia (salivação excessiva), lacrimejamento, miose (redução do diâmetro da pupila), contrações musculares, espasmos, tremores, aumento do tônus muscular causando marcha e postura rígidas, seguido de depressão do sistema nervoso central. O animal vem a óbito por parada respiratória devido a hipertonicidade dos músculos respiratórios.
    Em intoxicações leves as pupilas podem dilatar e ocorrer aumento da freqüência cardíaca.
    Há relatos de intoxicação crônica, podendo haver dano neurológico periférico induzido por desmielinização.
    Também pode ocorrer um quadro de neuropatia periférica tardia, o qual pode suceder em 7 a 21 dias ou até meses após exposição. Trata-se de uma síndrome ainda não totalmente esclarecida, semelhante à miastenia grave, apresentando fraqueza muscular, tremores, ventroflexão do pescoço, ataxia e deficiência de propriocepção. Seu tratamento é sintomático.
    O diagnóstico é feito através do histórico, sinais clínicos e alterações post mortem.
    O tratamento é emergencial e o proprietário deve procurar o mais rápido possível por atendimento veterinário, uma vez que o veneno age rapidamente. Somente um profissional da área pode realizar procedimentos que visem salvar a vida do animal, como lavagem gástrica, administração de medicamentos que impeçam a ação da toxina ou que aumentem a sua excreção, soroterapia, oxineoterapia e o tratamento de sintomas específicos, como convulsões. Alguns animais necessitam de internação.
    Como já dito anteriormente, o proprietário não deve administrar leite ao animal, uma vez que pode aumentar a absorção do veneno no trato gastrointestinal. A indução do vômito no animal consciente, administrando-se água oxigenada volume 10 ou uma solução de água com sal, pode ajudar a reduzir a quantidade de veneno presente no estômago, porém o tempo dispendido pelo proprietário nesta ação pode diminuir as chances de reversão da intoxicação, visto que apenas a indução do vômito não salvará a vida do animal.
    Não há "receita caseira" que reverta a intoxicação por "chumbinho".
    O grau de intoxicação varia com o porte do animal e a quantidade de veneno ingerida, sendo os gatos e cães de raças pequenas mais susceptíveis a quantidades menores de veneno.
   As intoxicações por “chumbinho” (aldicarb) são consideradas graves e o prognóstico varia de reservado a ruim, mais uma vez, dependendo da quantidade ingerida.
    A prevenção consiste em não utilizar este veneno!
   Quanto ao seu uso como raticida em ambientes domésticos, o “chumbinho” pode ser considerado ineficaz, uma vez que, normalmente, como o primeiro animal que ingere o veneno morre de imediato, os demais ratos observam e não consomem aquele alimento envenenado. Já os raticidas legalizados, próprios para esse fim e com registro junto a ANVISA, agem como anticoagulantes, provocando envenenamento lento nos ratos. Dessa forma, a morte do animal não fica associada ao alimento ingerido, o que faz com que todos os ratos da colônia ingiram esse tipo de veneno.
   Por se tratar de um produto clandestino, o “chumbinho” não possui rótulo com orientações quanto ao manuseio e segurança, informações médicas, telefones de emergência, descrição do ingrediente ativo e antídotos que devem ser utilizados em casos de envenenamento.
  Em junho de 2012, a ANVISA cancelou o informe de avaliação toxicológica dos agrotóxicos a base de aldicarb. No mês de outubro deste ano, o produto Temik 150 foi retirado do mercado brasileiro devido ao alto índice de intoxicação humana e envenenamento de animais, sendo seu uso  enquadrado como atividade ilícita e criminosa. A ANVISA estima que este seja responsável por 60% dos oito mil casos de intoxicação por “chumbinho” no país. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou o cancelamento do registro do Temik 150, com isso, está proibida no Brasil a produção, a comercialização e o uso de qualquer agrotóxico à base de aldicarb.
 
A COMPRA E VENDA DE CHUMBINHO É CRIME. DENUNCIE!!

Escreva para a Ouvidoria da Anvisa, através do e-mail
ouvidoria@anvisa.gov.br ou para a Gerência Geral de Toxicologia da ANVISA (toxicologia@anvisa.gov.br). Seus dados serão mantidos em sigilo. Sua identificação não é necessária.

 
Referências

NOGUEIRA, R.M.B., ANDRADE, S.F.. Manual de toxicologia veterinária. Pág. 115 – 121. 1ͣ edição, 2011, Editora ROCA,.


http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Perguntas+Frequentes/Agrotoxico+e+Toxicologia/5fbf5580429fa2fd8ff5ef2312e9dd30

domingo, 22 de julho de 2012

Giardíase em cães e gatos...


     A giardíase é causada pelo protozoário flagelado Giárdia sp, é considerada um grave problema de saúde coletiva pela alta prevalência em humanos e animais e pela transmissão zoonótica. A Giárdia duodenalis é a causadora da doença em animais e em humanos.
· A contaminação...
     A forma de contaminação mais comum nos animais e no homem é através da ingestão de água contaminada com cistos de giárdia, podendo se dar também através dos alimentos. Sua prevalência é variável, dependendo da localização geográfica, do método utilizado para o diagnóstico e de fatores como a imunidade e condição nutricional do animal infectado, assim como a patogenicidade do protozoário, podendo causar um quadro assintomático, agudo ou crônico.
   Acomete mais comumente os caninos que os felinos. Acredita-se que sua casuística seja subestimada em pequenos animais devido à baixa sensibilidade dos métodos convencionais de diagnóstico, das infecções subclínicas e da natureza intermitente da eliminação de cistos.
    Em animais adultos, a infecção costuma ser assintomática, e raramente é detectada, sendo estes animais os prováveis disseminadores no ambiente. Já em animais jovens, com idade inferior a um ano, os sintomas e os sinais clínicos podem estar presentes e a identificação do parasito é mais facilmente obtida.
    Após a ingestão, o ácido gástrico presente no estômago ativa os cistos e permite a liberação dos trofozoítos, os quais sofrerão divisão celular e migrarão para a superfície das microvilosidades intestinais. Geralmente os parasitas são encontrados no intestino delgado, onde interferem na digestão. Os cistos são expelidos nas fezes após um período pré-patente, que varia de 6 a 14 dias. Após a ingestão por um hospedeiro apropriado, o ciclo se repetirá.
    A manifestação clinica da doença pode preceder em um a dois dias a eliminação dos cistos.

· Os sinais clínicos...
     Os sinais clínicos apresentados por cães e gatos são cólica e diarréia discreta a grave, a qual pode ser persistente, intermitente ou autolimitante, ou seja, pode permanecer por tempo prolongado, ter períodos de recidiva seguidos de melhora ou ocorrer de forma passageira, respectivamente. 
     Geralmente, os animais infectados apresentam fezes de coloração pálida, amolecidas e com odor fétido. Normalmente a diarréia não possui muco ou sangue, porém tem diversas apresentações. Alguns animais podem apresentar perda de peso, anorexia, febre, vômitos e dor abdominal. A maioria dos casos são subclínicos, especialmente em animais adultos.
·   O diagnóstico...
     O encontro de cistos ou trofozoítos de G. duodenalis presentes em amostras fecais são o meio diagnóstico definitivo de giardíase, sinais clínicos e os testes biológicos laboratoriais não garantem um diagnóstico definitivo. Contudo, um exame fecal negativo não descarta a possibilidade de infecção.
     O diagnóstico pode ser dado das seguintes formas:
- pela presença de trofozoítos nas fezes frescas ou no lavado duodenal (realizado por endoscopia), uma técnica diagnóstica que vem se mostrando mais eficaz do que a técnica usual de flutuação em sulfato de zinco, principalmente em cães que apresentam os sinais clínicos da doença, porém pouco utilizada devido ao alto custo da endoscopia e pela necessidade de anestesiar o animal;
- pelo encontro de cistos nas fezes por técnicas de flotação, utilizando-se uma solução de sulfato de zinco, sendo essa a técnica diagnóstica confiável e mais usual;
- pelo achado de proteínas de giárdia nas fezes através de um exame chamado ELISA, uma técnica imunodiagnóstica que detecta antígenos nas fezes conservadas em formol ou mantidas sob refrigeração;
- e por técnicas de diagnóstico, como a imunofluorescência e a PCR, sendo estas últimas ainda não disponíveis para diagnóstico de rotina.
     Para que possamos descartar um diagnóstico de giardíase, devemos realizar pelo menos três exames coproparasitológicos dentro de 7 a 10 dias.
     É recomendado o exame em três amostras consecutivas colhidas em dias alternados, pois os cistos são excretados de forma intermitente, evitando assim os falsos negativos.
     Além disso, existem animais considerados "baixo excretores", estes podem passar um período de até 21 dias sem eliminar cistos.
     Existe certa dificuldade para o encontro da Giárdia nos exames, principalmente naqueles animais que já foram tratados com medicamentos antidiarreicos ao apresentar sintomas. Devido a isso, muitas vezes o diagnóstico é terapêutico, ou seja, a diarréia cessa após o tratamento com medicações contra o protozoário e conclui-se que o animal era positivo para giardíase.

·   O tratamento...
     Faz parte do tratamento a eliminação do parasita no animal e no ambiente. A terapia pode ser feita com antibióticos ou antiparasitários específicos, com tempo de tratamento apropriado variável de 3 a 7 dias. Não há uma droga 100% eficaz em todos os casos, portanto, a falha na resposta ao tratamento com a droga não exclui o diagnóstico de giardíase. Os testes de triagem das drogas estão baseados na remoção dos cistos das fezes, porem é possível que os organismos ainda estejam no trato intestinal, que haja inibição de produção de cistos por um período de tempo e ocorra uma infecção futura.
     A eliminação da Giárdia spp. pode ser difícil devido ao fato de ela poder tornar-se resistente a algumas drogas, devido à baixa imunidade do hospedeiro ou outra doença associada favorecer sua permanência no organismo e pela fácil reinfecção do animal, uma vez que os cistos são resistentes às influências do meio ambiente (resistem por até duas semanas) e basta um baixo número de cistos para que o animal se contamine. A sobrevivência dos cistos na água depende da temperatura, eles podem permanecer viáveis por até dois meses em água a 8°C, e por apenas quatro horas em água a 37°C.
     A autoinfecção externa também pode ocorrer pela presença de cistos nos pelos do animal, por isso o período pré-patente para Giárdia é extremamente curto, pois é possível um animal se reinfectar e excretar cistos, 5 dias depois do último tratamento.
    Os animais de rua ou aqueles densamente abrigados em canis ou gatis estão mais expostos, devido ao maior contato com água, alimentos e fezes de animais ou de pessoas contaminadas.
     A profilaxia é feita através da limpeza do ambiente, boa lavagem dos alimentos para consumo e ingestão de água filtrada. Para desinfecção do ambiente são recomendados desinfetantes a base de amônia quaternário e alcatrão de pinho, cuidando para que a água utilizada não atinja outros ambientes de moradia dos animais, causando falha no processo.
     Atualmente não se encontra disponível, porém foi bastante utilizada há pouco tempo uma vacina especifica para Giárdia spp., porem sua eficácia protetora não está bem testada. Há estudos que demonstram não ter sido uma medida efetiva no combate a doença.

· A epidemiologia...
     No Brasil, vários estudos epidemiológicos foram realizados mostrando percentuais de prevalência diferenciados conforme a região analisada. A maior controvérsia em epidemiologia é se a giardíase é ou não transmitida do homem para os animais e vice-versa. Animais considerados como possíveis focos de infecção são roedores, cães, gatos e animais silvestres. Cistos de Giárdia, proveniente de humanos podem infectar muitas espécies animais.
     A infecção por Giárdia, é mais preocupante em animais, pois estes apresentam poucos sintomas e sinais clínicos da infecção e respondem mal aos tratamentos, servindo como fontes de infecção e podendo eliminar cistos pelas fezes por meses ou anos.

· Conclusão...
    Apesar de ser tão comumente citada como diagnóstico, justificando episódios de diarréia em pequenos animais, fica evidente que o diagnóstico da doença não é fácil e deve sempre estar presente na lista de diagnósticos diferenciais, porém deve-se ter cuidado para afirmar que seja o real diagnóstico.
    É importante que se trabalhe com a prevenção da doença, pois além de ser uma zoonose, pode ser a causa da morte de animais jovens ou bastante debilitados. Prevenir é simples, pode ser feito através de vermifugação adequada, com princípio ativo e esquema de tratamento corretos, os quais devem ser definidos sempre por um médico veterinário.


Referências
NELSON, R.W., COUTO, C.G.. Medicina Interna de Pequenos Animais. Pág. 429-430. 3ª edição, 2006.
BRINKER, J.C., TEIXEIRA, M.C., ARAUJO, F.A.P.. Ocorrência de Giárdia sp. em cães e gatos no município de Caxias do Sul, RS. Revista da FZVA. Uruguaiana, v.16, n.1, p. 113-119. 2009.
Giardíase em animais de companhia – disponível em http://patologia.bio.ufpr.br/posgraduacao/teses/2007/dissertacaopaola.pdf

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Otite em cães e gatos


      A otite nada mais é que qualquer tipo de inflamação do ouvido, podendo ser uni ou bilateral, sendo este quadro clínico rotineiro em qualquer clínica veterinária. Ela pode ser classificada quanto à região de acometimento do canal auditivo e pode ter diferentes causas.
     A orelha é dividida anatomicamente em orelha externa, formada pelo pavilhão auricular e conduto auditivo, o qual termina na membrana timpânica; orelha média, formada pela bula timpânica (a qual faz comunicação com orelha externa e interna e com a faringe) e trompa auditiva; e orelha interna, formada pelos labirintos ósseo e membranoso, responsável pela audição e equilíbrio. Diante desta divisão, classificamos a otite como externa, média e interna, respectivamente.
·         Otite externa
     A otite externa, como o próprio nome diz, acomete a região mais externa da orelha, sendo aquela otite que o proprietário consegue enxergar com facilidade. Pode ocorrer por parasitas como ácaros causadores de sarnas (Demodex canis, Otodectes cynotis, Sarcoptes scabiei, Notoedres cati) e por carrapatos; ser decorrente de fungos e leveduras (Malassezia pachydermatis); pode estar associada a doenças de pele, como dermatite alérgica alimentar, dermatite por contato, atopia e doenças imunomediadas; pode ser secundária a doenças hormonais como hipotireoidismo; e pode ser decorrente de neoplasias. Pode-se dizer que 50% dos casos de otite externa em gatos são causadas pelo ácaro Otodectes cynotis, conhecido como "sarna de ouvido". Filhotes de cães e gatos são mais propensos a este tipo de agente causador de otite externa.
       Há três causas predisponentes para o desenvolvimento de otite externa: excesso ou aumento da umidade no canal auditivo, o que pode ocorrer pelo descuido durante o banho e também pelo clima úmido e quente, permitindo maior retenção de umidade nas orelhas; canal auditivo mais estreito, como ocorre, por exemplo, em cães da raça Sharpei; e obstrução do canal auditivo. Normalmente há bactérias que colonizam os canais auditivos, diante dessas causas pode ocorrer colonização por bactérias secundárias e se desenvolver a doença. Quando mal curada ou não tratada pode tornar-se crônica, tornando o lúmen do canal externo mais estreito e calcificado, dificultando a resolução do quadro e podendo levar a obstrução do canal. Secundariamente bactérias produtoras de pus, fungos e leveduras se instalam no local lesionado, agravando o quadro clínico.
     Cães e gatos de qualquer idade ou raça podem desenvolver a otite externa, porém são mais predispostos cães de orelhas longas e pendulares, como Cocker e Basset hound, e cães com excesso de pelos no canal auditivo, como os poodles. O Cocker apresenta maior predisposição a desenvolver o problema por poder apresentar um excesso na produção de secreção pelas glândulas sebáceas do canal auditivo.
     Normalmente o animal com otite coça as orelhas e agita a cabeça constantemente; nota-se algum tipo de secreção presente, podendo ser pus ou uma secreção marrom-escura a enegrecida, a qual sempre deve ser avaliada quanto à presença de parasitas; quando mais crônico, nota-se secreção purulenta com odor fétido no local.
      O diagnóstico é simples, mas saber a causa do problema nem sempre é fácil. Pode ser necessário cultura para bactéria e/ou fungos e antibiograma do material coletado nos condutos de forma estéril para identificarmos o agente causador e a que tipo de medicação ele é sensível.
      O tratamento consiste no uso de drogas tópicas associadas ou não a drogas orais ou injetáveis. É sempre necessária a avaliação veterinária antes do tratamento, garantindo que não haja lesão da membrana timpânica, pois se houver, algumas medicações podem causar intoxicação no animal. Antes de se iniciar o tratamento é necessária limpeza correta dos condutos auditivos, a própria secreção pode inativar algumas drogas ou não permitir que a medicação seja absorvida. Em casos de recidiva indica-se a cultura para encontrar o agente causador e antibiograma para definir a droga de escolha e reavaliação do animal para certificar-se que não há otite média associada. Quando o tratamento médico falha ou há crescimento de massas ou estenose do conduto, o tratamento passa a ser cirúrgico.

·         Otite média e interna
     A otite média pode ser causada por bactérias, fungos, leveduras, neoplasias, traumas ou corpos estranhos e também pela formação de pólipos inflamatórios ou nasofaringeanos, correspondentes a massas benignas que podem se formar no conduto auditivo. No entanto, a causa mais comum em cães e gatos é a infecção bacteriana, comumente consequente de otite externa crônica.
     Assim como a otite externa pode evoluir para otite média, a otite média pode evoluir para a otite interna, devido à extensão da inflamação da membrana timpânica.
     Em animais de meia idade é mais comum a otite média ser secundária a otite externa; cães idosos são mais propensos ao desenvolvimento de neoplasias e gatos a formação de pólipos inflamatórios, sem predisposição sexual ou racial.
     Os sinais clínicos são os mesmos da otite externa, como coceira nas orelhas e a agitação da cabeça de forma excessiva, podendo haver odor ruim e dor ao manipular regiões próximas ao ouvido. O animal pode apresentar dor ao comer e ao abrir a boca. Em casos de neoplasia que se estenda para a nasofaringe, o animal pode apresentar engasgo, esforço de vômito e dificuldade respiratória. Quando pólipos estão presentes pode haver como sintomas espirros, corrimento nasal e ruídos respiratórios.
     A otite interna pode causar o que chamamos de sinais vestibulares, nos quais o animal pode apresentar inclinação da cabeça, andar em círculos e queda para o lado do ouvido acometido, pode andar de forma incoordenada e permanecer com os olhos realizando um movimento involuntário, o que chamamos de nistagmo. Casos mais graves podem causar paralisia do nervo facial, levando a alterações como diminuição do reflexo palpebral, queda da orelha e lábio, salivação excessiva.
     A membrana timpânica pode estar rompida e para o adequado exame destes animais (otoscopia), pode ser necessária anestesia geral deste animal.
     O exame radiográfico pode auxiliar no diagnóstico de neoplasias e formações como pólipos, porém não é um exame sensível para o diagnóstico de otite média, sendo mais indicada a tomografia computadorizada.
      O tratamento adequado consiste na limpeza dos condutos, tratamento da otite externa intercorrente, eliminação do agente causador e uso de antibiótico tópico e sistêmico, devendo apresentar melhora em até quatro semanas, do contrário, o quadro passa a ser cirúrgico, visando uma abertura da bula timpânica, o que, geralmente resolve o problema e não causa interferência significativa na audição. Quando sinais neurológicos estão presentes, estes não melhoram após intervenção cirúrgica e podem não intervir na qualidade vida do animal.
·         Conclusão
      Apesar das possíveis complicações que a otite pode trazer, é tida como um problema comum, considerado por muitos como uma “coceirinha que vem depois do banho”. Sim, ela pode ser um quadro clínico simples, mas quando mal curado, tratado indevidamente, pode tornar-se crônico e trazer consequências ruins ao animal.
     Um dos erros mais comuns é o uso da medicação por tempo inapropriado. A maioria dos proprietários para com o tratamento logo nos primeiros dias, quando os sintomas já deixam de existir, porém, para evitar recidivas e acabar com o problema, o tempo de tratamento deve ser longo, determinado por um médico veterinário, que deverá fazer o acompanhamento semanal do quadro clínico e a higienização adequada dos ouvidos, permitindo melhor ação da droga utilizada.
     Deve-se ter cuidado durante o banho e com animais expostos a chuva, procurando secar os ouvidos para evitar que a umidade permaneça como fator predisponente. Sempre que houver a introdução de um filhote na residência e este apresentar coceira nas orelhas, investigar pela presença da sarna otodécica, sendo esta transmissível para outros animais. Vale lembrar que nem todas as medicações para otite, disponíveis no mercado, atuam contra a sarna de ouvido, sendo necessário investigar quanto a presença do ácaro na secreção.  
      Na presença de sintomas procure um médico veterinário para avaliação do quadro o mais rápido possível, para que se tenha o diagnóstico correto e evite que o quadro clínico torne-se crônico e traga danos à qualidade de vida do seu animal.
          Otodectes cynotis - ácaro causador da "sarna de ouvido"

 Referências
FOSSUM, T.W., et al. Cirurgia de Pequenos animais. Capítulo 19. Pág. 231-248. 2ª edição, 2002. Editora ROCA.


domingo, 27 de maio de 2012

Intoxicação por anti-inflamatórios não esteroidais

    
     A automedicação é um sério problema enfrentado pela medicina humana e que também está presente na medicina veterinária, principalmente entre cães e gatos. Devido à proximidade com os mesmos, é com certa frequência que se registram casos de intoxicação por analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos, tranquilizantes e antiparasitários.
     Dentre as medicações, os anti-inflamatórios são os maiores causadores de intoxicação e dentre os animais, filhotes, idosos e felinos são os mais propensos por apresentarem metabolização diferenciada. Além disso, filhotes, assim como crianças, são curiosos e podem ingerir medicação por acidente, aumentando a incidência de casos.
     Felinos acabam sendo vistos como cachorros pequenos e sendo medicados da mesma maneira. No entanto são espécies diferentes, gatos têm a metabolização bastante diferenciada, lenta para diversas drogas, intoxicando-se mais facilmente.
    Animais idosos são mais propensos  a se intoxicarem por excesso de medicação prescrita e pela função alterada de vários órgãos.
     Os anti-inflamatórios não esteroidais que comumente intoxicam cães e gatos são: ácido acetilsalicílico (AAS), diclofenaco potássico, diclofenaco sódico, paracetamol, ibuprofeno, cetoprofeno, carprofeno e naproxeno.
     Sem dúvida o diclofenaco potássico (Cataflan®) e diclofenaco sódico (Voltaren®), são os mais utilizados tanto em cães como em gatos, porém os primeiros são mais acometidos. Trata-se de uma medicação de uso rotineiro por proprietários e facilmente comprada, causadora de gastroenterite hemorrágica grave, podendo levar o animal a óbito devido ao quadro intenso de vômito e diarreia com sangue. Estes animais podem desenvolver insuficiência renal aguda.
     Gatos são facilmente intoxicados por ácido acetilsalicílico (Aspirina®, AAS®, Doril®, Melhoral®), por não realizarem sua metabolização hepática de forma adequada. Também podem intoxicar cães, mas os gatos são mais acometidos devido à demora na metabolização do medicamento mesmo em doses adequadas, podendo levar cerca de 44 horas, enquanto nos cães duraria em torno de 7,5 horas. Animais intoxicados podem apresentar febre, vômito com ou sem sangue, perda de apetite, respiração acelerada, fraqueza muscular, convulsões, icterícia, podendo levar a morte. Felinos também não metabolizam adequadamente dipirona (Novalgina®, Lisador®, Dorilen®), amplamente utilizada para nós humanos e cães, sendo susceptíveis à intoxicação.
      Paracetamol ou acetaminofen (Tylenol®, Parador®) é altamente tóxico para gatos. Esta espécie possui baixos níveis da enzima responsável pela metabolização final do paracetamol, gerando uma quantidade elevada do metabólito tóxico que não é inativado, causando lesões hepáticas e na hemoglobina presente nas hemácias. Cães toleram a medicação em doses adequadas, quando elevada pode causar lesões no fígado. 
     Gatos intoxicados podem apresentar anemia hemolítica, na qual ocorre destruição de hemácias; sangue na urina (hematúria), com presença de hemoglobina; língua com coloração azulada (cianose); vômito e edema das patas, além do quadro de intoxicação hepática aguda, apresentando letargia, anorexia e perda de peso.
     Ibuprofeno (Advil®, Artril®), Cetoprofeno (Profenid®), Carprofeno (Rimadyl®) e Naproxeno (Naprosyn®) são anti-inflamatórios e analgésicos comumente utilizados para as osteoartrites. O ibuprofeno e o naproxeno podem ter metabolização lenta favorecendo a formação de úlceras gástricas e gastroenterites graves. O cetoprofeno e o carprofeno em doses elevadas podem causar gastrite, problemas em fígado ou rins.
      Os sintomas da intoxicação são semelhantes aos já descritos para os demais anti-inflamatórios.
     É importante ressaltarmos que medicações de uso veterinário também podem intoxicar quando administradas em doses elevadas, em pequeno intervalo entre as dosagens e quando fornecida aos animais que já apresentam perda de função renal e/ou hepática.
      A falha na fiscalização da venda de remédios, a não exigência de prescrição, a automedicação por parte do proprietário que não procura por auxílio veterinário e a propaganda feita pelos laboratórios de medicação a quem não entende do assunto, favorecem que ocorra a intoxicação. Cabe a nós, profissionais da área, esclarecer aos proprietários dos riscos a que estão expondo seus animais.
      A melhor prevenção é não medicar animais sem orientação veterinária!
      Diante de qualquer quadro de intoxicação é sempre importante procurar por um profissional especializado para tentar reverter o problema o quanto antes. Somente um médico veterinário é apto a fazer qualquer tipo de procedimento visando à desintoxicação.


Referência
NOGUEIRA, R.M.B., ANDRADE, S.F.. Manual de Toxicologia Veterinária. “Intoxicação medicamentosa e por drogas ilícitas ou de abuso”. Págs. 244-251.1ª edição. Editora ROCA, 2011.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Toxoplasmose Felina

           
     A toxoplasmose é uma zoonose, ou seja, uma doença que pode ser transmitida dos animais para o homem, importante por causar danos aos fetos de ambas espécies. O agente causador é um protozoário chamado Toxoplasma gondii. Seu ciclo de vida se completa em felinos domésticos e selvagens, porém, pode infectar qualquer animal de sangue quente. Devido ao fato do agente causador da doença completar seu ciclo de vida nos felinos, estes são considerados hospedeiros definitivos do parasita, sendo os únicos a eliminarem oocistos nas fezes, considerados fonte de infecção.
     O Toxoplasma gondii possui três estágios de vida:
- esporozoíto: presente nos oocistos liberados nas fezes dos animais infectados;
- taquizoíto: presente na infecção ativa e replica-se nas células do sangue, destruindo-as;
- e bradizoíto: permanece no tecido do hospedeiro na forma de cisto, quando a resposta imune do animal infectado não permite que a forma taquizoíto se replique, caracterizando a forma latente da doença, pode acometer o sistema nervoso central, músculos e órgãos.

·        Ciclo biológico do parasita

     O ciclo biológico mais comum se dá pela ingestão de cistos teciduais que durante a digestão liberam bradizoítos que penetram na parede do intestino delgado, podendo se disseminar para linfonodos e outros órgãos. O parasita passa por fases de reprodução assexuada e sexuada, finalizando com a liberação de oocistos nas fezes.
     Oocistos liberados nas fezes, devem sofrer esporulação para que possam contaminar os hospedeiros. Para isso é necessário o contato com o oxigênio por até cinco dias. Já esporulados sobrevivem no ambiente por meses a anos e são resistentes a desinfetantes. Bradizoítos podem persistir por toda a vida no hospedeiro.        
                                                                                           
·        Como ocorre a contaminação?

     O homem e demais animais podem se infectar pela ingestão de qualquer um dos três estágios do organismo ou através da placenta durante a gestação. Filhotes podem se infectar durante a amamentação.
     A forma de contaminação mais comum é pela ingestão de bradizoítos ou cistos durante a alimentação carnívora (o que inclui a caça, por exemplo, de roedores) e pelo hábito de coprofagia (comer fezes). Moscas e baratas podem transportar oocistos das fezes de gatos para alimentos que tiverem contato.
     A exposição a oocistos infectantes não é fonte importante de infecção para gatos, cães ou o homem, devido a eliminação restrita de oocistos e ao minucioso hábito de limpeza dos felinos. Oocistos são eliminados nas fezes de gatos durante 3 a 21 dias após a infecção, sendo rara e quase sempre insignificante a recidiva de eliminação. A eliminação de oocistos é mais significante em filhotes de 6 a 14 semanas de idade.

·        Sinais clínicos

     A doença pode se manifestar como uma diarréia de intestino delgado com duração de 2 a 3 semanas. O animal infectado pode não apresentar sintomas até que o parasita afete algum órgão.
    Os sinais clínicos mais comuns são perda de apetite, letargia, febre intermitente e dificuldade respiratória devido à pneumonia; pode ocorrer uveíte (inflamação da úvea) e hemorragia de retina quando há acometimento dos olhos. Em alguns casos de acometimento do fígado o animal pode acumular líquido na cavidade abdominal e ficar com coloração amarelada, caracterizando o que chamamos de icterícia. A doença pode levar a óbito, porém a maioria dos felinos se recupera e desenvolve imunidade.
     A toxoplasmose pode ser classificada baseando-se na forma como ela evolui:
- toxoplasmose disseminada: manifestações clínicas dependentes dos órgãos afetados;
- toxoplasmose crônica: associada à imunossupressão, quando bradizoítos presentes em cistos teciduais começam a se replicar e se disseminar na forma de taquizoítos;
- toxoplasmose sub-letal: acomete os felinos, caracterizada principalmente pela uveíte além de outros sinais clínicos. Geralmente ocorre em filhotes infectados pela placenta ou amamentação.
     O microrganismo não é eliminado do corpo através de medicação, sendo assim as recidivas dos sintomas são possíveis em todas as espécies.
   Pode ser uma doença grave em humanos, principalmente se imunossuprimidos. Há relatos de toxoplasmose crônica em humanos com HIV.

·        Diagnóstico

     O animal pode apresentar clínica, patologia e radiografia com alterações não específicas, o diagnóstico deve ser baseado em uma combinação de sinais clínicos e exames complementares.
     A sorologia é o melhor método diagnóstico, sendo correto e precoce através do teste ELISA para anticorpos IgM, os quais surgem no início da infecção e permanecem alterados por até 3 meses. Como é raro ser encontrada esta imunoglobulina no soro de felinos, torna-se sugestiva de infecção por toxoplasmose.
     Quando negativo indica que o felino não foi exposto ao agente e tem susceptibilidade à infecção; quando positivo indica que provavelmente este animal já eliminou oocistos anteriormente, sendo menos provável que elimine novamente quando comparado com um felino negativo que poderá se infectar.
     Exames complementares podem ser requisitados perante aos sinais clínicos apresentados, como: hemograma, raio-x  de tórax, dosagem de enzimas hepáticas, citologia aspirativa e exame histopatológico de tecidos acometidos, análise de líquido cefalorraquidiano.
     Pode-se detectar oocistos de 10 x 12 µm nas fezes de animais com diarréia, porém não é comum. O exame fecal pode detectar quando os felinos estão ativamente eliminando oocistos, mas não pode predizer quando um felino eliminou oocisto no passado.
     A presença de cistos teciduais não confirma a doença, deve haver a presença de taquizoítos para diagnóstico definitivo.
     Pode ser feito o chamado diagnóstico terapêutico, no qual o animal apresenta sinais compatíveis com a doença e aumento na titulação de Ig M com melhora clínica após tratamento por 3 semanas com antibiótico adequado.
     O diagnóstico antemortem (antes da morte do animal) pode ser dado pelo encontro do parasita no hospedeiro, porém isto é raro, principalmente nos casos de doença sub-letal. Anticorpos podem estar no soro de felinos normais ou doentes, impossibilitando o diagnóstico precoce por estes exames. Felinos saudáveis podem ter títulos de anticorpos extremamente altos e felinos clinicamente doentes podem ter baixos títulos de anticorpos, sendo assim a magnitude do título é pouco relevante na toxoplasmose clínica. Além disso, como o microrganismo não pode ser eliminado do hospedeiro, a maioria dos felinos terá títulos de anticorpos por toda a vida.
     A associação da detecção de anticorpos específicos para Toxoplasma gondii no humor aquoso ou no líquido cefalorraquidiano e a detecção do ácido desoxirribonucleico (DNA) do organismo por PCR é a maneira mais correta de se diagnosticar a toxoplasmose ocular ou do sistema nervoso central.  

·        Cuidados

     Devido ao seu potencial zoonótico, deve haver cuidado com a manipulação de líquidos e secreções corporais do gato.
     É muito importante lembrar que não são somente os gatos que podem transmitir a doença, a fonte mais comum de infecção humana é a carne suína mal cozida. Para prevenir a transmissão deve-se ter cuidado com a manipulação de carnes, lavando com água e sabão os utensílios e superfícies que estiveram em contato com carne crua, a carne deve ser cozida a temperaturas superiores a 70°C ou congeladas a -20°C antes do cozimento; grávidas devem evitar contato com fezes de gato, materiais da caixa de dejetos, terra e carne crua; a alimentação de gatos deve ser apenas a base de ração felina comercial ou alimentos com processamento adequado descrito anteriormente; a caixa de dejetos precisa ser limpa diariamente e evitar nos gatos o hábito de caça, revirar lixo, comer animal morto.
 
·        Prognóstico para o animal infectado

     Prognóstico bom quando o diagnóstico é correto e precoce, permitido pelo teste ELISA para IgM. Se o tratamento for inferior a 4 semanas a recidiva é mais provável. O prognóstico é ruim para gatos imunossuprimidos com doença disseminada.
     Após início do tratamento os sinais clínicos que não envolvem os olhos e sistema nervoso central usualmente se resolvem dentro dos primeiros 2 a 3 dias, a forma ocular e neurológica responde mais lentamente. A febre e hiperestesia muscular deve ser resolvida após 3 dias de tratamento.
    Felinos infectados serão sempre soropositivos e podem recidivar, não havendo evidencias de eliminação do organismo do hospedeiro.

·        Como se dá a transmissão da doença do gato para o homem...

     Como já dito, para que uma pessoa se contamine pelo Toxoplasma gondii através do gato, será necessário o contato com oocistos liberados nas fezes, o que se dá de forma limitada, sendo significante apenas uma vez na vida do animal. Além disso, será necessário que os oocistos já tenham sofrido a esporulação, o que se dá após três a cinco dias de exposição ao oxigênio, o que pode ser evitado limpando a caixa de dejetos diariamente. O fato dos gatos se lamberem constantemente impede que oocistos fiquem na pelagem, portanto o contato direto com o animal também não é um importante fonte de infecção.  
     Felinos com toxoplasmose que apresentam cistos teciduais após 16 meses de inoculação primária não eliminam oocistos e o aumento do risco de adquirir toxoplasmose não foi associado à posse de felinos por indivíduos que trabalham na área de saúde animal ou imunossuprimidos.
     Sendo assim, o método mais fácil para se contrair toxoplasmose através de um gato é comendo sua carne crua!
     Diante disso fica claro que ninguém precisa doar seu animal de estimação por medo de adquirir toxoplasmose e as mulheres grávidas ou pessoas com problemas imunológicos podem ter contato com seu animal de estimação. Não é comum que a infecção se dê dessa maneira e cuidados simples podem evitar a possível exposição aos oocistos.

Referências bibliográficas
NELSON, R.W., COUTO,C.G. Medicina interna de pequenos animais – Toxoplasmose felina. Capítulo 104, pág. 1259-1262. 3ª edição, ano 2006, editora MOSBY.
NORSWORTHY,G.D., CRYSTAL, M.A., GRACE, S.F., TILLEY, L.P. O paciente felino, Toxoplasmose. Cap. 133, pags 554-557.2ª edição, ano 2004, editora Manole.
NEGRI, D. De; CIRILO, M. B.; SALVARANI, R. de S.; NEVES, M.F. Toxoplasmose em cães e gatos. REVISTA CIENTÍFICA ELETÔNICA DE MEDICINA VETERINÁRIA – ISSN: 1679-7353.Ano VI – Número 11 – Julho de 2008 – Periódicos Semestral.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Falando sobre piometra...


· O que é?

A piometra é a doença do sistema reprodutor que mais atinge fêmeas caninas. Corresponde a um processo inflamatório do útero, associado a dois hormônios femininos, o estrógeno e, principalmente, a progesterona. Acomete animais de qualquer idade, adultas a idosas, sendo mais incomum o acometimento de gatas. Não há predisposição racial e em animais jovens sua ocorrência relaciona-se ao uso de contraceptivos. O fato da fêmea já ter tido filhotes não exclui a possibilidade de desenvolvimento da doença.

Está associada ao período de diestro destes animais, que corresponde em média aos 70 dias após o término do cio, no qual há uma predominância da ação do hormônio progesterona. A ação repetitiva deste hormônio sob o útero leva ao desenvolvimento da doença. São fatores predisponentes o uso de contraceptivos, cios irregulares e a gravidez psicológica (pseudociese).

A piometra em gatas é menos frequente, pois o tecido luteal se desenvolve apenas se houver cópula ou ovulação induzida artificialmente, sendo assim, o útero não sofre a mesma influência da progesterona como nas cadelas. No entanto, o uso de progestágenos nos quadros de dermatite endócrina aumenta a incidência da doença nesses animais.


·Como se desenvolve?

Durante o diestro o útero permanece influenciado pela progesterona produzida por corpos lúteos ovarianos. Este hormônio estimula o crescimento e a secreção das glândulas do endométrio (membrana mucosa que reveste a face interna do útero), com a exposição repetitiva do útero à alta ou prolongada produção de progesterona, o endométrio torna-se espessado, edemaciado e com cistos, caracterizando a hiperplasia endometrial cística, a qual precede a piometra.Com o desenvolvimento da hiperplasia endometrial cística as glândulas uterinas produzem mais secreção e, também por ação da progesterona, diminui a capacidade de contração da musculatura, mantendo todo esse fluido acumulado no útero, desenvolvendo a muco ou hidrometra. Quando este fluido se torna infectado por bactérias, evolui para a piometra.

O uso de contraceptivos progestágenos, também pode levar ao desenvolvimento da hiperplasia endometrial cística e consequentemente à piometra. Contraceptivos a base de estrógenos aumentam o número de receptores uterinos de progesterona, portanto, também aumentam a incidência de ocorrência da piometra.Vale ressaltar que o estrógeno isoladamente não causa a piometra, mas aumenta a incidência da mesma.

Sob influência da progesterona o útero inibe a resposta dos leucócitos (células de defesa) contra bactérias, favorecendo a instalação das mesmas. A bactéria Escherichia coli é a mais comumente encontrada nestas infecções. Microrganismos da flora vaginal normal desenvolvem-se de forma oportunista, podendo ser isoladas ainda bactérias do trato urinário. A infecção quando não tratada leva a morte.Há duas formas para a ocorrência da doença: piometra aberta ou fechada. A cérvix é o meio de comunicação do útero com a vagina, quando relaxada ou desobstruída, observa-se corrimento vaginal, os cornos uterinos permanecem em volume normal ou pouco aumentados, caracterizando a piometra aberta. Quando a cérvix se mantém fechada não há corrimento vaginal, os cornos uterinos ficam aumentados de volume, caracterizando a piometra fechada, uma forma mais séria da doença.

Este corrimento tem intensidade variável em relação a abertura ou não da cérvix, e coloração variando de amarela-acinzentada a amarronzada com odor fétido.

Tumores ovarianos produtores de hormônios também podem levar ao desenvolvimento da piometra.

Animais com secreção mucóide durante diestro podem apresentar hiperplasia endometrial de grau leve, sendo candidatas ao desenvolvimento da piometra futuramente.

·Sinais clínicos

O animal pode apresentar: corrimento vaginal purulento ou sanguinolento; aumento de volume abdominal; letargia;apetite seletivo ou anorexia; aumento da ingestão de água (polidipsia); aumento dafrequência e volume da micção (poliúria); sinais gastrointestinais como vômito e diarréia; perda de peso; e nem sempre apresenta febre.

Com a evolução da doença os animais tendem a ficar desidratados e intoxicados, se não tratados podem desenvolver sepse (infecção generalizada).

Como complicações do quadro o animal pode desenvolver hipoglicemia (queda da glicose sanguínea), alterações nas funções dos rins e do fígado, anemia e alterações cardíacas.

· Como é dado o diagnóstico?

Diante de corrimento vaginal purulento, associado ao histórico de cio recente e demais sinais clínicos, podemos ter o diagnóstico de piometra aberta apenas com o exame clínico.

        Quando não há corrimento vaginal, o diagnóstico pode ser dado por raio-x ou ultra-som, sendo o segundo a melhor escolha por avaliar não somente se há aumento do volume uterino, mas também as características deste.O raio-x não permite que o aumento de volume do útero seja diferenciado entre piometra e gestação com menos de 42 dias, quando a calcificação dos esqueletos dos fetos ainda não é visível ao exame.

Cio prolongado, porém com características normais, pode ser um indício de hiperplasia endometrial cística e nestes casos também deve ser realizado ultra-som para diagnóstico e intervenção precoces.

Exames de sangue como hemograma podem evidenciar um quadro infeccioso, tendo valores mais altos quando a piometra é fechada. Em casos de sepse as células de defesa podem estar diminuídas, em alguns casos a contagem de células pode estar normal. Sendo, assim, um hemograma normal não exclui a possibilidade da doença.

· Como tratar?

O tratamento medicamentoso não é indicado, exceto para animais reprodutores valiosos, salvo suas contra-indicações. O indicado é que o animal passe por procedimento cirúrgico o mais rápido possível associado à terapia médica. Deve ser realizada a extração do útero e dos ovários e o animal medicado corretamente após o procedimento.

A piometra não tratada leva ao óbito e animais que não são submetidos a cirurgia, respondendo a terapia médica apenas, tendem a ter recidiva do quadro.

· Concluindo...

Devido ao fato de ser uma doença muito comum e grave, recomenda-se que fêmeas não reprodutoras sejam castradas o quanto antes, evitando-se assim o desenvolvimento da piometra no futuro.

Os proprietários devem ter controle das datas dos cios para estar ciente da regularidade do mesmo, assim como observar se o fluxo de sangue está normal, com características normais, podendo assim reconhecer o aparecimento da doença ainda no início.

O uso de contraceptivos deve ser evitado sempre. Realizar a castração precoce das fêmeas evita que a mesma seja exposta ao risco de uma cirurgia de emergência e ainda contribui para o não desenvolvimento de tumor de mama, sendo a castração eletiva a melhor forma de evitar a piometra.

Diante da doença já instalada o proprietário deve procurar um profissional de sua confiança para a realização da cirurgia. A idade do animal não deve ser um fator que impeça a realização da mesma, sendo importante que sejam realizados exames pré-cirúrgicos que revelem o estado geral do animal para que se tenha a conduta mais adequada durante e após a cirurgia e que se utilize uma anestésia segura, como a anestesia inalatória.



FOSSUM, T.W.Cirurgia de pequenos animais. 2ª edição,2005, editora ROCA. Págs.638-644.

SANTOS, M.M., FRAGATA, F.S..Emergência e terapia intensiva veterinária em pequenos animais – bases para o atendimento hospitalar. 1ª Edição, editora ROCA. Págs.335-337.

MARTINS,D.G. Complexo hiperplasia endometrial cística/piometra em cadelas: fisiopatogenia, características clínicas, laboratoriais e abordagem terapêutica. Jaboticabal, 2007. Disponível em: www.fcav.unesp.br/download/pgtrabs/cir/m/2998.pdf. Acesso em 01/04/2012.