domingo, 27 de maio de 2012

Intoxicação por anti-inflamatórios não esteroidais

    
     A automedicação é um sério problema enfrentado pela medicina humana e que também está presente na medicina veterinária, principalmente entre cães e gatos. Devido à proximidade com os mesmos, é com certa frequência que se registram casos de intoxicação por analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos, tranquilizantes e antiparasitários.
     Dentre as medicações, os anti-inflamatórios são os maiores causadores de intoxicação e dentre os animais, filhotes, idosos e felinos são os mais propensos por apresentarem metabolização diferenciada. Além disso, filhotes, assim como crianças, são curiosos e podem ingerir medicação por acidente, aumentando a incidência de casos.
     Felinos acabam sendo vistos como cachorros pequenos e sendo medicados da mesma maneira. No entanto são espécies diferentes, gatos têm a metabolização bastante diferenciada, lenta para diversas drogas, intoxicando-se mais facilmente.
    Animais idosos são mais propensos  a se intoxicarem por excesso de medicação prescrita e pela função alterada de vários órgãos.
     Os anti-inflamatórios não esteroidais que comumente intoxicam cães e gatos são: ácido acetilsalicílico (AAS), diclofenaco potássico, diclofenaco sódico, paracetamol, ibuprofeno, cetoprofeno, carprofeno e naproxeno.
     Sem dúvida o diclofenaco potássico (Cataflan®) e diclofenaco sódico (Voltaren®), são os mais utilizados tanto em cães como em gatos, porém os primeiros são mais acometidos. Trata-se de uma medicação de uso rotineiro por proprietários e facilmente comprada, causadora de gastroenterite hemorrágica grave, podendo levar o animal a óbito devido ao quadro intenso de vômito e diarreia com sangue. Estes animais podem desenvolver insuficiência renal aguda.
     Gatos são facilmente intoxicados por ácido acetilsalicílico (Aspirina®, AAS®, Doril®, Melhoral®), por não realizarem sua metabolização hepática de forma adequada. Também podem intoxicar cães, mas os gatos são mais acometidos devido à demora na metabolização do medicamento mesmo em doses adequadas, podendo levar cerca de 44 horas, enquanto nos cães duraria em torno de 7,5 horas. Animais intoxicados podem apresentar febre, vômito com ou sem sangue, perda de apetite, respiração acelerada, fraqueza muscular, convulsões, icterícia, podendo levar a morte. Felinos também não metabolizam adequadamente dipirona (Novalgina®, Lisador®, Dorilen®), amplamente utilizada para nós humanos e cães, sendo susceptíveis à intoxicação.
      Paracetamol ou acetaminofen (Tylenol®, Parador®) é altamente tóxico para gatos. Esta espécie possui baixos níveis da enzima responsável pela metabolização final do paracetamol, gerando uma quantidade elevada do metabólito tóxico que não é inativado, causando lesões hepáticas e na hemoglobina presente nas hemácias. Cães toleram a medicação em doses adequadas, quando elevada pode causar lesões no fígado. 
     Gatos intoxicados podem apresentar anemia hemolítica, na qual ocorre destruição de hemácias; sangue na urina (hematúria), com presença de hemoglobina; língua com coloração azulada (cianose); vômito e edema das patas, além do quadro de intoxicação hepática aguda, apresentando letargia, anorexia e perda de peso.
     Ibuprofeno (Advil®, Artril®), Cetoprofeno (Profenid®), Carprofeno (Rimadyl®) e Naproxeno (Naprosyn®) são anti-inflamatórios e analgésicos comumente utilizados para as osteoartrites. O ibuprofeno e o naproxeno podem ter metabolização lenta favorecendo a formação de úlceras gástricas e gastroenterites graves. O cetoprofeno e o carprofeno em doses elevadas podem causar gastrite, problemas em fígado ou rins.
      Os sintomas da intoxicação são semelhantes aos já descritos para os demais anti-inflamatórios.
     É importante ressaltarmos que medicações de uso veterinário também podem intoxicar quando administradas em doses elevadas, em pequeno intervalo entre as dosagens e quando fornecida aos animais que já apresentam perda de função renal e/ou hepática.
      A falha na fiscalização da venda de remédios, a não exigência de prescrição, a automedicação por parte do proprietário que não procura por auxílio veterinário e a propaganda feita pelos laboratórios de medicação a quem não entende do assunto, favorecem que ocorra a intoxicação. Cabe a nós, profissionais da área, esclarecer aos proprietários dos riscos a que estão expondo seus animais.
      A melhor prevenção é não medicar animais sem orientação veterinária!
      Diante de qualquer quadro de intoxicação é sempre importante procurar por um profissional especializado para tentar reverter o problema o quanto antes. Somente um médico veterinário é apto a fazer qualquer tipo de procedimento visando à desintoxicação.


Referência
NOGUEIRA, R.M.B., ANDRADE, S.F.. Manual de Toxicologia Veterinária. “Intoxicação medicamentosa e por drogas ilícitas ou de abuso”. Págs. 244-251.1ª edição. Editora ROCA, 2011.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Toxoplasmose Felina

           
     A toxoplasmose é uma zoonose, ou seja, uma doença que pode ser transmitida dos animais para o homem, importante por causar danos aos fetos de ambas espécies. O agente causador é um protozoário chamado Toxoplasma gondii. Seu ciclo de vida se completa em felinos domésticos e selvagens, porém, pode infectar qualquer animal de sangue quente. Devido ao fato do agente causador da doença completar seu ciclo de vida nos felinos, estes são considerados hospedeiros definitivos do parasita, sendo os únicos a eliminarem oocistos nas fezes, considerados fonte de infecção.
     O Toxoplasma gondii possui três estágios de vida:
- esporozoíto: presente nos oocistos liberados nas fezes dos animais infectados;
- taquizoíto: presente na infecção ativa e replica-se nas células do sangue, destruindo-as;
- e bradizoíto: permanece no tecido do hospedeiro na forma de cisto, quando a resposta imune do animal infectado não permite que a forma taquizoíto se replique, caracterizando a forma latente da doença, pode acometer o sistema nervoso central, músculos e órgãos.

·        Ciclo biológico do parasita

     O ciclo biológico mais comum se dá pela ingestão de cistos teciduais que durante a digestão liberam bradizoítos que penetram na parede do intestino delgado, podendo se disseminar para linfonodos e outros órgãos. O parasita passa por fases de reprodução assexuada e sexuada, finalizando com a liberação de oocistos nas fezes.
     Oocistos liberados nas fezes, devem sofrer esporulação para que possam contaminar os hospedeiros. Para isso é necessário o contato com o oxigênio por até cinco dias. Já esporulados sobrevivem no ambiente por meses a anos e são resistentes a desinfetantes. Bradizoítos podem persistir por toda a vida no hospedeiro.        
                                                                                           
·        Como ocorre a contaminação?

     O homem e demais animais podem se infectar pela ingestão de qualquer um dos três estágios do organismo ou através da placenta durante a gestação. Filhotes podem se infectar durante a amamentação.
     A forma de contaminação mais comum é pela ingestão de bradizoítos ou cistos durante a alimentação carnívora (o que inclui a caça, por exemplo, de roedores) e pelo hábito de coprofagia (comer fezes). Moscas e baratas podem transportar oocistos das fezes de gatos para alimentos que tiverem contato.
     A exposição a oocistos infectantes não é fonte importante de infecção para gatos, cães ou o homem, devido a eliminação restrita de oocistos e ao minucioso hábito de limpeza dos felinos. Oocistos são eliminados nas fezes de gatos durante 3 a 21 dias após a infecção, sendo rara e quase sempre insignificante a recidiva de eliminação. A eliminação de oocistos é mais significante em filhotes de 6 a 14 semanas de idade.

·        Sinais clínicos

     A doença pode se manifestar como uma diarréia de intestino delgado com duração de 2 a 3 semanas. O animal infectado pode não apresentar sintomas até que o parasita afete algum órgão.
    Os sinais clínicos mais comuns são perda de apetite, letargia, febre intermitente e dificuldade respiratória devido à pneumonia; pode ocorrer uveíte (inflamação da úvea) e hemorragia de retina quando há acometimento dos olhos. Em alguns casos de acometimento do fígado o animal pode acumular líquido na cavidade abdominal e ficar com coloração amarelada, caracterizando o que chamamos de icterícia. A doença pode levar a óbito, porém a maioria dos felinos se recupera e desenvolve imunidade.
     A toxoplasmose pode ser classificada baseando-se na forma como ela evolui:
- toxoplasmose disseminada: manifestações clínicas dependentes dos órgãos afetados;
- toxoplasmose crônica: associada à imunossupressão, quando bradizoítos presentes em cistos teciduais começam a se replicar e se disseminar na forma de taquizoítos;
- toxoplasmose sub-letal: acomete os felinos, caracterizada principalmente pela uveíte além de outros sinais clínicos. Geralmente ocorre em filhotes infectados pela placenta ou amamentação.
     O microrganismo não é eliminado do corpo através de medicação, sendo assim as recidivas dos sintomas são possíveis em todas as espécies.
   Pode ser uma doença grave em humanos, principalmente se imunossuprimidos. Há relatos de toxoplasmose crônica em humanos com HIV.

·        Diagnóstico

     O animal pode apresentar clínica, patologia e radiografia com alterações não específicas, o diagnóstico deve ser baseado em uma combinação de sinais clínicos e exames complementares.
     A sorologia é o melhor método diagnóstico, sendo correto e precoce através do teste ELISA para anticorpos IgM, os quais surgem no início da infecção e permanecem alterados por até 3 meses. Como é raro ser encontrada esta imunoglobulina no soro de felinos, torna-se sugestiva de infecção por toxoplasmose.
     Quando negativo indica que o felino não foi exposto ao agente e tem susceptibilidade à infecção; quando positivo indica que provavelmente este animal já eliminou oocistos anteriormente, sendo menos provável que elimine novamente quando comparado com um felino negativo que poderá se infectar.
     Exames complementares podem ser requisitados perante aos sinais clínicos apresentados, como: hemograma, raio-x  de tórax, dosagem de enzimas hepáticas, citologia aspirativa e exame histopatológico de tecidos acometidos, análise de líquido cefalorraquidiano.
     Pode-se detectar oocistos de 10 x 12 µm nas fezes de animais com diarréia, porém não é comum. O exame fecal pode detectar quando os felinos estão ativamente eliminando oocistos, mas não pode predizer quando um felino eliminou oocisto no passado.
     A presença de cistos teciduais não confirma a doença, deve haver a presença de taquizoítos para diagnóstico definitivo.
     Pode ser feito o chamado diagnóstico terapêutico, no qual o animal apresenta sinais compatíveis com a doença e aumento na titulação de Ig M com melhora clínica após tratamento por 3 semanas com antibiótico adequado.
     O diagnóstico antemortem (antes da morte do animal) pode ser dado pelo encontro do parasita no hospedeiro, porém isto é raro, principalmente nos casos de doença sub-letal. Anticorpos podem estar no soro de felinos normais ou doentes, impossibilitando o diagnóstico precoce por estes exames. Felinos saudáveis podem ter títulos de anticorpos extremamente altos e felinos clinicamente doentes podem ter baixos títulos de anticorpos, sendo assim a magnitude do título é pouco relevante na toxoplasmose clínica. Além disso, como o microrganismo não pode ser eliminado do hospedeiro, a maioria dos felinos terá títulos de anticorpos por toda a vida.
     A associação da detecção de anticorpos específicos para Toxoplasma gondii no humor aquoso ou no líquido cefalorraquidiano e a detecção do ácido desoxirribonucleico (DNA) do organismo por PCR é a maneira mais correta de se diagnosticar a toxoplasmose ocular ou do sistema nervoso central.  

·        Cuidados

     Devido ao seu potencial zoonótico, deve haver cuidado com a manipulação de líquidos e secreções corporais do gato.
     É muito importante lembrar que não são somente os gatos que podem transmitir a doença, a fonte mais comum de infecção humana é a carne suína mal cozida. Para prevenir a transmissão deve-se ter cuidado com a manipulação de carnes, lavando com água e sabão os utensílios e superfícies que estiveram em contato com carne crua, a carne deve ser cozida a temperaturas superiores a 70°C ou congeladas a -20°C antes do cozimento; grávidas devem evitar contato com fezes de gato, materiais da caixa de dejetos, terra e carne crua; a alimentação de gatos deve ser apenas a base de ração felina comercial ou alimentos com processamento adequado descrito anteriormente; a caixa de dejetos precisa ser limpa diariamente e evitar nos gatos o hábito de caça, revirar lixo, comer animal morto.
 
·        Prognóstico para o animal infectado

     Prognóstico bom quando o diagnóstico é correto e precoce, permitido pelo teste ELISA para IgM. Se o tratamento for inferior a 4 semanas a recidiva é mais provável. O prognóstico é ruim para gatos imunossuprimidos com doença disseminada.
     Após início do tratamento os sinais clínicos que não envolvem os olhos e sistema nervoso central usualmente se resolvem dentro dos primeiros 2 a 3 dias, a forma ocular e neurológica responde mais lentamente. A febre e hiperestesia muscular deve ser resolvida após 3 dias de tratamento.
    Felinos infectados serão sempre soropositivos e podem recidivar, não havendo evidencias de eliminação do organismo do hospedeiro.

·        Como se dá a transmissão da doença do gato para o homem...

     Como já dito, para que uma pessoa se contamine pelo Toxoplasma gondii através do gato, será necessário o contato com oocistos liberados nas fezes, o que se dá de forma limitada, sendo significante apenas uma vez na vida do animal. Além disso, será necessário que os oocistos já tenham sofrido a esporulação, o que se dá após três a cinco dias de exposição ao oxigênio, o que pode ser evitado limpando a caixa de dejetos diariamente. O fato dos gatos se lamberem constantemente impede que oocistos fiquem na pelagem, portanto o contato direto com o animal também não é um importante fonte de infecção.  
     Felinos com toxoplasmose que apresentam cistos teciduais após 16 meses de inoculação primária não eliminam oocistos e o aumento do risco de adquirir toxoplasmose não foi associado à posse de felinos por indivíduos que trabalham na área de saúde animal ou imunossuprimidos.
     Sendo assim, o método mais fácil para se contrair toxoplasmose através de um gato é comendo sua carne crua!
     Diante disso fica claro que ninguém precisa doar seu animal de estimação por medo de adquirir toxoplasmose e as mulheres grávidas ou pessoas com problemas imunológicos podem ter contato com seu animal de estimação. Não é comum que a infecção se dê dessa maneira e cuidados simples podem evitar a possível exposição aos oocistos.

Referências bibliográficas
NELSON, R.W., COUTO,C.G. Medicina interna de pequenos animais – Toxoplasmose felina. Capítulo 104, pág. 1259-1262. 3ª edição, ano 2006, editora MOSBY.
NORSWORTHY,G.D., CRYSTAL, M.A., GRACE, S.F., TILLEY, L.P. O paciente felino, Toxoplasmose. Cap. 133, pags 554-557.2ª edição, ano 2004, editora Manole.
NEGRI, D. De; CIRILO, M. B.; SALVARANI, R. de S.; NEVES, M.F. Toxoplasmose em cães e gatos. REVISTA CIENTÍFICA ELETÔNICA DE MEDICINA VETERINÁRIA – ISSN: 1679-7353.Ano VI – Número 11 – Julho de 2008 – Periódicos Semestral.